Publicada em 18 de Agosto de 2020, a Lei n. 14.039/2020 determina expressamente que os serviços prestados por advogados e profissionais de contabilidade possuem natureza técnica e singular.
O texto altera a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, e o Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946, para dispor sobre a natureza singular e notória dos serviços de advogados e de profissionais de contabilidade e foi promulgada após o Congresso Nacional ter derrubado o veto integral pelo Presidente da República ao Projeto de Lei nº 4.489/2019, do Deputado Efraim Filho.
A propósito da justificativa do Projeto de Lei 4.489/2019 seu autor destacou que em face da “relevância profissional da atividade do advogado” e “dos contornos éticos e do múnus público” atribuídos à esta categoria profissional pela Constituição Federal, os serviços por ele prestados teriam inequivocamente natureza técnica e singular, não apenas em virtude de sua notória especialização intelectual e verdadeiramente técnica, mas também pela confiança na relação com o seu contratante. Assim, em suma, tal projeto intentou tornar irrefutáveis os atributos da singularidade e notória especialização, postulando-os em lei.
O veto presidencial foi justificado da seguinte forma:
“A propositura legislativa, ao considerar que todos os serviços advocatícios e contábeis são, na essência, técnicos e singulares, viola o princípio constitucional da obrigatoriedade de licitar, nos termos do inciso XXI, do art. 37 da Constituição da República, tendo em vista que a contratação de tais serviços por inexigibilidade de processo licitatório só é possível em situações extraordinárias, cujas condições devem ser avaliadas sob a ótica da Administração Pública em cada caso específico, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (v.g. lnq. 3074-SC, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 193, de 3-10-2014)”.
Diante da legislação já existente, o projeto de lei vetado pretendia a tornar expressa a natureza especializada das atividades da advocacia e contabilidade mediante a comprovação cumulada da notória especialização do profissional em questão, o que efetivamente já acontecia na prática. Entretanto, ao justificar a derrubada do veto, os senadores argumentaram que a atividade dos advogados e contadores precisa ser de confiança do gestor público que vai contratá-los. De acordo com o relator do projeto, o senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB):
“Não estamos querendo burlar a legislação. Não estamos dizendo que esta proposta visa impedir que os gestores façam concursos públicos para procuradores. Estamos apenas fazendo o reconhecimento da singularidade dessas atividades” .
A OAB, que encaminhou aos parlamentares uma manifestação técnica em favor da derrubada do veto, declarou em nota que:
“Por não ter sido pacificada a discussão sobre a inerência da singularidade aos serviços advocatícios, muitos profissionais estão sendo condenados pela presença prática de atos de improbidade administrativa, depois de terem celebrado contrato com entes públicos para o simples desempenho de atividades que lhe são próprias, e em hipóteses em que licitação se afigura, por via de regra, patentemente inexigível”.
A OAB argumentou ainda que os “serviços técnicos profissionais especializados são serviços que a Administração Pública deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria, a Administração deposite na especialização do contratado”. Ressaltou também que os Estados e a União contam com procuradorias próprias e que contratações diretas ocorrem excepcionalmente. Já no caso dos municípios, que não são obrigados a ter procuradorias jurídicas, as contratações só acontecem em virtude de necessidade e pautada pelo notório saber do profissional.
Apesar de opiniões dissidentes, importa levar em consideração os pilares do Direito Público no que concerne ao reconhecimento legal da natureza singular dos serviços prestados por advogados e contadores. Seria tal princípio justificável para autorizar contratações diretas de modo automático e supostamente afastar o risco de ações de improbidade? É válido pensar que a partir de agora a administração pública está isenta do dever de justificar seus atos para a contratação em razão da inexigibilidade de licitação?
Como explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro em seu livro Direito Administrativo:
“O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.
Na Constituição Federal, a exigência de motivação consta expressamente apenas para as decisões administrativas dos Tribunais e do Ministério Público (arts. 93 e 129, § 4o, com a redação dada pela Emenda Constitucional no 45/04), não havendo menção a ela no artigo 37, que trata da Administração Pública, provavelmente pelo fato de ela já ser amplamente reconhecida pela doutrina e jurisprudência. Na Constituição Paulista, o artigo 111 inclui expressamente a motivação entre os princípios da Administração Pública.”
Resta aguardar para ver de que forma os Tribunais de Contas e outros órgão de controle atuarão em face das mudanças propostas pela nova legislação.
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