Artigo publicado na Revista Jurídica ( v. 4, n. 37 (2014) ), um periódico peer-reviewed, editado pelo Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Empresarial e Cidadania do Unicuritiba.
Neste artigo Roberlei Aldo Queiroz, Juarez Ribas Teixeira Jr e Fernando Gustavo Knoerr propõem um breve diálogo a partir dos pensamentos de MICHEL FOUCAULT e HANS JONAS sobre biopolítica, rede de poder e princípio responsabilidade, traçando paralelos com programas públicos atuais de Governo e suas vertentes com o controle e vigilância sobre a vida do cidadão.
Abaixo selecionamos um excerto desta publicação. Para ler o artigo na íntegra e ter acesso às citações e referências bibliográficas, basta clicar aqui.
INTRODUÇÃO
HANS JONAS nos disse há muitos anos com o seu PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE: “age de tal maneira que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica”.
Compreender o que ele quis dizer e trazer isso aos dias de hoje é essencial para este breve diálogo, pois será o filtro do raciocínio que se pretende abordar.
Não há como negar a importância da obra de JONAS no contexto histórico do desenvolvimento sustentável, que conseguiu prever com grande proximidade que os avanços (seriam avanços? Essa é justamente a grande questão de seus pensamentos) da tecnologia seriam importantes e ao mesmo tempo temerários para a população mundial.
Seus pensamentos são pelo coletivo, pelo bem público, pelo social. Ele nunca pretendeu deixar de lado os avanços da sociedade no campo das ciências, principalmente as mais envolvidas com a tecnologia, mas sim fazer com que os cientistas pensassem antes de focar seus estudos, para dirigi-los através do uso ético.
Isso pode ser visto quando JONAS avalia a tecnológica através da ciência bélica, tentando demonstrar quanto maléfica esta pode ser a pesquisa, em desprestígio do que poderia ter se alcançado com menos tempo e menos custo, desde que com um foco diverso da guerra.
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Tecnologia para a morte, para o mero conforto, para meros prazeres. Tudo com altíssimo custo ambiental, transformando a manutenção da natureza em algo completamente esquecida e deixada de lado, como se lá estivesse somente para oferecer insumos para as conquistas de novas fronteiras. O estado apocalíptico da sociedade é o que mais se tenta evitar com suas previsões, inclusive fazendo uso da heurística do temor.
Ensinou o filósofo alemão que não há como deixar de frisar a questão entre a responsabilidade paterna e a responsabilidade política. A paterna nada mais é que a responsabilidade natural, que advém do amor e dos deveres (e direitos) entre pai e filho. Já a política nasce na escolha e isso a torna importante, pois são essas escolhas que podem mudar tudo, principalmente no futuro. Então surge o conceito de responsabilidade total, onde nos colocamos mais preocupados com o futuro do coletivo, cientes de que nossos atos são frutos de nossas escolhas e que essas devem ser tomadas com cautela (medo), com amor e responsabilidade incondicional (paterna), em prol da comunidade e do social, sem pensar somente no individualismo (político/governamental).
FOUCAULT tratou em seus estudos da relação entre verdade, poder e direito e em alguns pontos questionou se são os discursos de verdade que criam o direito para o exercício do poder ou se o direito é utilizado pelas relações de poder para criar os discursos de verdade:
“O que tentei investigar, de 1970 até agora, grosso modo, foi o como do poder; tentei discernir os mecanismos existentes entre dois pontos de referência, dois limites: por um lado, as regras do direito que delimitam formalmente o poder e, por outro, os efeitos de verdade que este poder produz, transmite e que por sua vez reproduzem−no. Um triângulo, portanto: poder, direito e verdade.”
Afirma ainda o filósofo que todos somos obrigados a buscar e provar a verdade para tudo, em um incessante exercício de alimentação do poder ou de quem o tem. A verdade é lei em nossa Sociedade, mas seria uma lei sem autoria? Não. Ao menos a partir dos idos da Idade Média nas sociedades ocidentais, onde a lei era devidamente encomendada pelo poder real ou similar.
Toda a discussão jurídica da época tinha como paradigma a Soberania, ou seja, identificar os poderes de cada rei, dentro e fora de seus limites territoriais, com o intuito de fixar e, ulteriormente, limitá-lo.
FOUCAULT aborda os nuances desse poder, mas com o intuito de traçar outro ponto de observação, pois seus estudos demonstram a necessidade de inversão dessa ótica, levando o poder também aos súditos, ao povo (o que atualmente se encaixa em cada cidadão e/ou titular de direitos e deveres). Não há como se ver o poder de forma centralizada, mas sim dividido e com capilaridade dentre todos os que se interagem.
Tal pensamento certamente não seria bem aceito na Idade Média pelos reis, mas nos dias de hoje se adequa perfeitamente nas sociedades onde, em tese, existem também direitos e não somente deveres.
Não há um poder único, mas sim ramos que se atravessam e interagem em todas as camadas sociais, chegando aos menos favorecidos politicamente e economicamente, pois é através desses cidadãos (as vezes nem cidadão constitucional é) que todo o poder retorna e, ao mesmo tempo, renasce.
As relações devem ser recíprocas e, portando, os efeitos da dominação também. A ciência do Direito atualmente é alimentada por tudo, pois tem como norte atingir a todos, mesmo que as vezes isso não esteja muito claro.
Assim, aquele cidadão da base da cadeia política e econômica também é possuidor de vontades, direitos, deveres e de discursos de verdade. De alguma forma a lei deve fazer alcançar seus olhos (sim, aqui não há que se falar em lei e justiça cega, pois vivemos a era da igualdade material e não da igualdade formal) e ouvidos para todas as realidades, principalmente para as pessoas, humanas ou não (empresas), que tenham algo a dizer, a esclarecer, a demonstrar.
Não se trata de analisar as formas regulamentares e legítimas do poder em seu centro, no que possam ser seus mecanismos gerais e seus efeitos constantes.
Trata−se, ao contrário, de captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações, lá onde ele se torna capilar; captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais, principalmente no ponto em que, ultrapassando as regras de direito que o organizam e delimitam, ele se prolonga, penetra em instituições, corporifica−se em técnicas e se mune de instrumentos de intervenção material, eventualmente violento.
A análise do poder deve ser focada no fim e não no início e, como enfatiza FOUCAULT “em outras palavras, captar o poder na extremidade cada vez menos jurídica”. O filósofo vai além, retirando a análise do plano da intenção ou da decisão e olhando para onde está a efetivação desse poder, onde está sua realização, seu objeto. Alega que o poder deve ser visto como algo que circula e somente funciona em cadeia e não centrado em uma única pessoa, devendo ser exercido em rede, não se aplicando aos indivíduos, mas sim passando por eles. Assim, o cidadão não é um mero efeito do poder ou seu alvo, mas sim um centro de distribuição desse poder que, automaticamente, passa a ser também dele. Esse raciocínio é parte dos pensamentos de FOUCAULT. A busca dessa inversão de observação é o que comprova a importância de toda a capilaridade da rede de poder, principalmente do final dela (ou seu início), ou seja, os cidadãos.
AMARTYA SEN já ensinou que o desenvolvimento somente existe quando não existem amarras de privação de liberdade, e isso certamente só ocorre quando se elimina o centro do poder, o qual é deslocado para tudo que se envolve no processo, tornando-se todos importantes, todos agentes. Trabalhar, somar riquezas, adquirir conhecimentos, aumentar os relacionamentos e tudo mais que se possa ter na vida somente se faz útil se for para a manutenção da liberdade.
Longevidade saudável, digna e sustentável, é isso que se busca. A fuga desses objetivos para qualquer Nação importa em alguma forma de escravagismo, mesmo que oculto, mesmo que não seja internamente dentre as pessoas, mas sim externamente, em consideração a outros Países.
O Brasil é gigantesco e por isso dotado de características únicas! População enorme, geografias e culturas diversificadas. São diferentes suas prioridades, suas valorizações, suas verdades!
Falar em desenvolvimento hoje sem agir localmente não trará qualquer resultado concreto, senão o imediato. Em algumas cidades se precisa de absolutamente tudo, como água (quiçá tratada), enquanto regiões inteiras de outro lado clamam por investimentos para socorrer aos danos causados pela chuva. A desertificação de algumas áreas no Brasil é uma realidade, mas ao mesmo tempo se verifica que atitudes localizadas, com absoluta certeza através de uma forma de biopolítica, mudam o cenário.
PETER PÁL PELBART resume:
“ora, quando cunhou o termo biopoder, Michel Foucault tratava de descriminá-lo, esse biopoder, de um regime anterior denominado soberania. o que era o regime de soberania? consistia em fazer matar e deixar viver os demais. cabia ao soberano a prerrogativa de matar de maneira espetacular os que ameaçava sem o seu poderio, e cabia ao soberano deixar viver os demais
já no contexto biopolítico surge uma nova preocupação, segundo Foucault. não cabe ao poder fazer morrer, mas sobretudo fazer viver, isto é, cuidar da população, da espécie, dos processos biológicos, cabe ao poder otimizar a vida. gerir a vida em todas as suas dimensões, mais do que exigir a morte. assim, se o poder, num regime de soberania, consistia num mecanismo de supressão, de extorsão, seja da riqueza, do trabalho, da força, do sangue, culminando com o privilégio de suprimir a própria vida, no regime subsequente de biopoder ele passa a funcionar na base da incitação, do reforço, da vigilância, visando a otimização das forças vitais que ele submete. ao invés então de fazer morrer e deixar viver, trata-se de fazer viver e deixar morrer. o poder investe a vida, não mais a morte. daí porque se desinvestiu tanto a própria morte, que antes era ritual, espetacular e hoje é anônima, insignificante.”
O mapeamento de tudo e de todos é a forma moderna mais concreta de exemplo de biopolítica, principalmente a municipal. Não são raras as novidades tecnológicas em tal setor, como o do geoprocessamento, cadastros dos mais diversos, controle total da saúde, educação e segurança. Isso sem falar nas câmeras e controle de vídeo de todos os tipos. Atualmente é possível ter 100% do Município dentro de um sistema informatizado, com todos seus habitantes, dados e atividades diárias, além de todo o seu espaço geográfico, detalhando inclusive seus imóveis. E tudo isso agregado ao discurso de melhoria de vida, ou seja, política para a vida.
Qual o objetivo de todo este aparato de controle e poder? Pode tal controle melhorar a vida das pessoas que residem no Município? O poder se encontra capilarizado ou está, como na Idade Média, centralizado? Qual sua participação na grande rede? Quais os limites desse controle com os princípios e garantias individuais? O que o futuro nos reserva? Essas são as questões que enfrentamos diariamente com tais “conquistas” (será?) da evolução (será?) humana (será?).
O Poder Público pode se utilizar disso tudo, com responsabilidade, para melhorar a vida, diminuir desigualdades e propiciar um melhor bem estar futuro?
A verdade é que os brasileiros não suportam mais tamanhas injustiças sociais e estamos distantes de alcançar o que CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO ensina como sendo função pública, ou seja, “Comece-se por dizer que função pública, no Estado Democrático de Direito, é a atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem jurídica.” Enquanto no Brasil faltar o “básico do essencial” não há como se ter grandes esperanças.
Veja que se somarmos os pensamentos dos dois filósofos e aplicarmos aos programas de Governo, teremos: “capilaridade de poder” + “controle” + “vigilância” + “melhoria de vida” + “responsabilidade tecnológica” + “garantia das gerações futuras”.
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Roberlei Queiroz, mestre e doutorando em Direito, professor universitário de cursos de graduação e pós-graduação, e sócio da RQ Consultoria Jurídica. Queiroz tem reconhecida experiência na atuação específica em direito administrativo e nos Tribunais de Contas Estaduais, Municipais e da União.
O escritório Roberlei Queiroz Consultoria Jurídica atua com foco na assessoria e consultoria das relações que compreendem os laços da esfera público-privada, de forma inter e multidisciplinar, conciliando a tradição da advocacia com a modernidade trazida pelas novas tecnologias.
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