Ciclo Online de Debates sobre a LC 173/20 promovido pelo Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul
Painel 2: Reflexos Na Área de Pessoal
Transmitido ao vivo no dia 21 de Agosto de 2020
Painelistas: Ana Helena Scalco Corazza, Assessora da Consultoria Técnica do TCE-RS, Mestre em Direito. Vitor Maciel dos Santos, Diretor no TCM Bahia, Auditor Estadual de Controle Externo e Professor na Universidade Federal da Bahia.
Moderador[ID1] : Roberlei Queiroz, Advogado e Consultor na seara do Direito Público. Professor, Pesquisador e Palestrante de temas relacionados com as disciplinas do eixo do Direito Público e Empresarial, além da Ética no Direito, na Política e na Administração Pública.
Apresentamos abaixo a transcrição parcial e adaptada da quarta parte do painel sobre os Reflexos da LC 173/20 na Área de Pessoal, onde apresentamos as principais perguntas e respostas ao fim do evento. Assista ao painel na íntegra clicando no vídeo abaixo. A transcrição da primeira e da segunda parte deste painel estão disponíveis – Parte I, Parte II e Parte III.
Transcrição – Parte IV
Roberlei Queiroz – Obrigado Ana e Vitor. Recebemos centenas de perguntas e, em razão do tempo, iremos selecionar algumas delas para a seção de perguntas e respostas.
É importante ressaltar, como já disseram os nossos painelistas, que esta jurisprudência está sendo construída desde já, portanto não se pode esperar que o Vitor e Ana deem respostas que tragam total segurança da interpretação dos tribunais, seja dos tribunais de contas, estaduais ou federais, ou do TCU. O próprio STF está julgando duas ações de constitucionalidade e outras que porventura irão também se aproximar a essas respostas.
Conforme eu citei no início deste evento, tudo vai de encontro a esse eixo principal do sopesamento das questões que serão enfrentadas em relação aos princípios constitucionais que abrange as questões sociais e trabalhistas, e os princípios constitucionais que estão nesse momento mais perto da pandemia.
Enfim, Ana e Vitor, passarei algumas perguntas a vocês. As perguntas são de pronto e eles não tiveram acesso à elas anteriormente.
Pergunta 1 – A lei nos diz que pode ser utilizado os recursos para pagamento dos profissionais que atuam no sistema único de saúde. Porém no meu município existem poucos servidores concursados que atuam na assistência social sendo, em grande maioria, pessoas físicas e cargos comissionados sendo contratados como assistentes em geral. Posso efetuar o pagamento todos esses servidores com esse recurso?
Vitor M. dos Santos – Acredito que ela esteja falando do artigo 5º, porque ele fala dos 60 bilhões, cuja parte deste montante está vinculada à saúde e à assistência social e a outra parte são recursos livres. Existe uma confusão muito grande aqui porque a lei usou o conectivo E – “saúde e assistência social” e é muito comum o questionamento de alguns servidores que dizem que o seu município só precisa aplicar na área da saúde, ou que tem outras áreas para aplicar que não tem a ver com a saúde e a assistência social.
Assim, os recursos previstos no inciso 1º do artigo 5º devem ser aplicados exclusivamente na saúde e assistência social, mesmo que seja 99% para um e 1% para outro. Não há vedação para gasto com pessoal. Fazendo uma relação com o artigo 8º, o que este artigo traz como um “freio” é a criação de cargos novos que ensejem despesas obrigatórias e de caráter continuado.
Muito embora a saúde tenha recebido muitos outros recursos, como previsto na Medida Provisória 940, a portaria 774 do Ministério da Saúde, este inciso 1º do artigo 5º especificamente trada de despesas com a saúde e assistência social.
Pergunta 2 – Alguns municípios que por ventura não decretaram calamidade pública mas que entendem que estão de alguma forma em baixo do guarda chuva da calamidade pública estadual ou federal. Estes municípios podem utilizar os auxílios previstos na LC 173/20 bem como outros que, porventura, vierem?
Ana Helena S. Corazza – Me parece que a calamidade foi decretada pela União em todo o território nacional a partir do decreto legislativo 6, salvo engano. Então até 31/12/2020 todo o território esta vinculado a esta decretação. Mas, em princípio, me parece que todos os municípios sim estão submetidos à lei.
Vitor M. dos Santos – Eu concordo em gênero, número e grau com a Ana. E importante ressaltar a importância dos Tribunais de Contas porque cada caso é um caso. Então, o fato de todos estarem abraçados nesse mesmo guarda-chuva do decreto legislativo número 6, não significa dizer que numa avaliação posterior, uma eventual ausência de disponibilidade, que não seja vinculado ao enfrentamento à COVID. Mas a princípio todos estão sujeitos, inclusive com a flexibilizações ou restrições da lei.
Pergunta 3 – Minha dúvida se dá quanto à vedação ou não pela lei 173 para o prêmio por assiduidade onde, mesmo sendo similar à licença-prêmio, elas têm natureza jurídica diversa. Devemos levar em conta que além do critério temporal outros critérios para a concessão de prêmios por assiduidade estão previstos na nossa lei?
Ana Helena S. Corazza – É aquilo que a gente falava antes. Me parece que num primeiro momento não está vedado.
Vitor M. dos Santos – Eu acho que teríamos fazer uma avaliação do próprio estatuto, porque se o tribunal fizer uma correlação com o artigo 9º, levaria à vedação. Mas se o estatuto for diferente, deveremos avaliar o dispositivo específico. Porque no artigo 8º, inciso 9º, a lei fala em “demais mecanismos equivalentes” e se o tribunal entender que é um dispositivo equivalente aos anuênios, triênios, etc., ele fala da suspensão da contagem do tempo. Então, como não se pode dar uma resposta definitiva, que se avalie o inciso nono do artigo oitavo porque pode ser feita uma correlação pelo tribunal e aí pode trazer algum eventual problema.
Pergunta 4 – Reposição anual da inflação regular mesmo após a LC 173/20?
Ana Helena S. Corazza – Como foi exposto antes, por conta de uma interpretação literal do inciso 8º do artigo 8º, juntamente com a interpretação de toda a lei, me parece que há um consenso de que é possível fazer a revisão geral no índice indicado na própria lei complementar.
Pergunta 5 – A LC 173/20 veda a concessão de licença-prêmio. Esta vedação alcança o prêmio-assiduidade visto que existem critérios além da contagem do tempo, que são de naturezas jurídicas distintas?
Ana Helena S. Corazza – Exatamente a pergunta anterior. Em princípio, e estamos falando sem estar diante da norma estatutária, nos parece que o crescimento do servidor na carreira, em termos de crescimento vertical e horizontal, eles em geral têm requisitos outros de avaliação do servidor público que não são exclusivamente a passagem do tempo. Então as interpretações majoritárias técnicas e jurídicas estão no sentido de ser possível. Eu entendo que os assessores, controladores internos, tem todas essas dúvidas mas é exatamente isso – é analisar esse inciso quanto aos seus estatutos. Não temos como pré-interpretar cada uma das vantagens.
Vitor M. dos Santos – Eu faço coro a essa fala da Ana e quero chamar a atenção para a importância de analisarmos os institutos. Por vezes o chamado de tempo de serviço não engloba questões como por exemplo a assiduidade. A assiduidade pode ser um elemento de todo o escopo do processo de progressão e ele por si só não define o avanço na carreira ou a mudança de classe. A lei não afastou a possibilidade do avanço, até porque ele já está incorporado ao patrimônio jurídico da entidade.
Pergunta 6 – Doutor Vitor, o senhor deve ter observado que todas as emendas apresentadas para manter a revisão geral anual foram rejeitadas. Isto não é um indicativo de que a RGA já não está abarcada pelas proibições do artigo 8º?
Vitor M. dos Santos – A LC 173/20 não teria o condão de afastar o dispositivo constitucional. Agora existe uma série de questões, inclusive discussões no âmbito do STF sobre a discricionariedade ou a competência de uma avaliação realista da realidade orçamentária e financeira de cada ente da federação, o que não é o caso na nossa pauta. Então, quando a LC 173/20 fala dos parâmetros inflacionários que estão no inciso 8º e que oportunizariam o poder de compra do servidor, ela não seria incongruente com o que está previsto no inciso X, artigo 37 da Constituição Federal.
É importante que lembremos que tudo que tem sido questionado sobre perda de direitos, é porque fere uma lei anterior. E neste caso seria a própria matéria condicional. Eu não estou dizendo que seja fácil pros administradores públicos – nós estamos aqui para fazer uma interpretação normativa – mas deve ser um grande desafio sabendo o impacto e grande temor com a possibilidade da derrubada do veto da presidência, porque já se somavam aos impactos do reajuste para todo o funcionalismo público que, consequentemente já viria em cascata e que estaria dissonante com o propósito inicial do auxílio financeiro. Então uma das exigências do auxílio financeiro foi alguns freios e um pacto entre os entes da federação e que eventualmente poderia ser descumprido, sobretudo numa matéria muito cara e com peso muito grande nas finanças públicas, que seriam aumento e o reajuste salarial.
E agora peço licença para falar em meu nome, e não em nome do órgão, é extremamente razoável que no momento que todo o Brasil é passa por uma crise, a fila da Caixa Econômica enorme em todo o país, muitas pessoas desempregadas e em condição de mendicância, e eu não estou falando de valor, estou falando da lei. Existe algo racional neste freio, portanto a lei só quis preservar os parâmetros constitucionais mas essa discussão de revisão já estaria numa matéria que iria transcender a constituição.
Pergunta 7 – No caso de alguns casos comissionados estarem vagos um pouco antes da LC 173/20 e, somente agora foram identificadas as pessoas aptas a ocupar tais cargos, é permitido utilizar este cargos, mesmo que estivessem vagos antes da lei complementar?
Ana Helena S. Corazza – Essa é uma das questões mais complexas. Em princípio a grande questão que diferencia os cargos comissionados é a aferição dos gastos com pessoal, ou seja, não podem aumentar. A lei não é clara exatamente de que não poderia pegar cargos vagos. A interpretação que se faz com esse marco temporal é justamente para resguardar esta vedação. Em princípio, num primeiro momento, pareceria que não é possível. Agora, e talvez o Vitor possa me corrigir, se for possível comprovar que não houve esse aumento de gastos com pessoal, e dada a necessidade e a viabilidade, em princípio, a orientação é que não, até porque a gente sabe que esse é um caso e excepcional.
A gente sabe que tem muitos municípios que passam por uma situação de penúria do ponto de vista social e a gente tem que evitar que esses cargos venham agora a assumir um contorno de política social, que venham a empregar pessoas – estou conjecturando aqui. Mas em princípio não poderia mas, daqui a pouco a contingência local vai justificar.
Vitor M. dos Santos – Eu concordo com a Ana. O inciso IV do artigo 8º diz que “admitir ou contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia, de direção e de assessoramento que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 da Constituição Federal, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as contratações de alunos de órgãos de formação de militares.”
A lei fala de reposição e, que esta reposição não acarrete no aumento da despesa. E aí é importante ressaltar que a gente não está falando de gasto com pessoal. Se, de acordo com o que foi colocado na pergunta, não tinha ali uma pessoa ocupando o cargo e vai ser feita a admissão agora, não se está falando em reposição, mas sim de contratação de pessoas e que vai acarretar em aumento de despesa.
Pergunta 8 – Concursospúblicos em andamento, e até encerrados, e com vagas ainda abertas poderiam ter as vagas ocupadas durante este período de suspensão?
Roberlei Queiroz – De antemão já digo que vi algumas decisões neste sentido, desde que estas vagas estão sendo ocupadas para a vacância das que foram saídas durante o período. Então os concursos não estão suspensos ou cancelados, eles entram na mesma questão, ou seja, estariam para ocupar as vagas que entraram em vacância no período. Tem ainda as vagas da saúde, que é uma coisa separada e que estão liberadas dentro deste contexto. É isto Ana e Vitor?
Ana Helena S. Corazza – Num primeiro momento me parece que nesses casos a validade dos concursos não foi suspensa pelos entes. Então está correndo o transcurso e eu teria atenção para a questão de verificar se há uma reposição. Eventualmente, se se tratar de um provimento originário, estaria vedado.
Vitor M. dos Santos – Exatamente. Tanto que o próprio inciso 5 não traz o termo “desde que implique aumento”. Ele fala da vacância. Então se houve exoneração, falecimento, aposentadoria ou demissão não se enquadraria na vedação.
Pergunta 9 – O artigo 22 da LRF está em vigência com o artigo 8º da LC 173/20? Poderia conceder vantagem discricionária como a conversão de licença-prêmio em dinheiro no caso de implemento no tempo anterior à lei complementar?
Vitor M. dos Santos – A essência da LRF continua existindo. Então, o que a LC 173/20 introduziu na LRF foi para reforçar alguns dispositivos onde já havia a necessidade. Neste momento a realidade de muitos dos nossos municípios é que eles estão afogados no limite com o pessoal e este contexto piorou com a queda na arrecadação.
A gente não pode avaliar os dispositivos de forma isolada. Então, quando evocarmos a LC 173/20 para aquilo que envolve aspectos fiscais, notadamente de pessoal, que está sendo objeto da nossa pauta, não podemos esquecer que o diploma legal das finanças públicas é a LRF. A LC 173/20 é a lei de mitigação de todos os danos produzidos pela COVID e que traz aspectos temporários (porque tem a vida útil) e algumas introduções permanentes. Portanto nenhuma destas questões ingressou no artigo 22 da LRF e ele continua firme e forte.
Carlos Eduardo dos Santos Fleck – Nós tivemos hoje 2842 visualizações apenas pelo YouTube, fora as do Facebook que eu ainda não vi. Ofereço meus agradecimentos aos participantes.
O escritório Roberlei Queiroz Consultoria Jurídica atua com foco na assessoria e consultoria das relações que compreendem os laços da esfera público-privada, de forma inter e multidisciplinar, conciliando a tradição da advocacia com a modernidade trazida pelas novas tecnologias.